foto: Roland Weihrauch/ Corbis
Não, não quero continuar a falar das perdas que nos têm desassossegado, nesta última semana e meia.
Mandela, Nadir Afonso, hoje Peter 0'Toole. E seis jovens que incautamente se aproximaram do mar que tanto amo, mas que não perdoa a quem não o teme. Quanta desolação!
Prefiro falar dos aromas do Inverno. Romãs, frutos secos, terra fria, folhas soltas, tisanas quentes, maçãs assadas, canela.
"L'été qui s'enfuit est un ami qui part ."
Victor Hugo
Eu gosto dos aromas do Inverno. Mas não gosto do inverno, como estação.
E tal como o escritor, sinto que quando o verão parte, a solidão se instala. Como se não houvesse amigos, família por perto. Mas há. Eles estão cá. Alguns.
É nosso eu mais intimista que se sente mais só, mais quieto.
Então, gosto de escrever, à noite, junto a uma tisana quente, ou então, uma maçã assada, caramelizada com canela e açucar moreno.
O meu reino é o da escrita. Não, não nasci escritora. Não sou escritora. Mas tenho o gosto da escrita. Veio talvez do gosto da leitura. Simplesmente, como quem pensa. Ou fala em voz baixa.
O meu gosto vem-me da infância. O de ler. O de escrever.
A família lia muito.
"E há um grande peso e ensinamento que se recebe, desde que se nasce."
Agustina Bessa-Luís
Tranquilizem-se. Não, o meu reino não é o da fantasia. Se não, eu não sentiria tanto o inverno. Apenas os seus aromas quentes me acariciam a memória dos tempos da infância.
Dessa infância de onde me veio, tal como Agustina, o gosto da leitura. E mais tarde transmitiu-se à escrita.
Algum episódio da minha infância sobre a leitura? Não. Apenas a imagem de uma leitura sempre feita no singular. Nada de serões de leitura em comum. Apenas conversas sobre temas lidos, como pelo gosto de conversar em família.
Lembro que assaltava as estantes dos meus pais, dos irmãos mais velhos. E adorava comprar livros. Hoje continuo a gostar muito de comprar livros.
E ia completando as prateleiras da minha biblioteca, não esquecendo nunca de devolver os livros às estantes pessoais da família. Com afecto.
Os aromas também me vêm da infância. Nas noites de inverno, soltavam-se pela casa enorme, enrolavam-se pelas escadas e subiam até ao último piso, onde ficava meu quarto, assotado.
Falar de coisas belas que resultam do nosso dom de sentir os aromas do inverno. É um gosto escrever, este que conservo. Ainda.
Miosótis (pseudónimo)
fragmentos da noite com flores
15.12.2013
Copyright ©2013-fragmentosdanoitecomflores Blog, fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com®