Sunday, December 23, 2012

Natal com flores de macieira





Matt Cardy | Getty Images


É Natal! E que escrever? Que Natal acontece? Ando por aqui. Os dedos poisam no teclado. Paralisados.

Nas noites o silêncio faz-se ainda mais profundo. Percorro as palavras, busco sons, oiço risos de crianças? Não! Nos espaços que percorro, só oiço crianças que choram. O meu país já não tem crianças alegres.

E Natal não é para as crianças? Pois eu então quero falar de crianças. O mundo cresce de maneira anárquica, quase perversa. E as crianças não têm nele um lugar bem definido.

Mães que não são mães. Arrastam crianças como fardos, indiferentes, descuidadas, olham as montras, não olham as crianças.

É como se o coração gelasse. E os dedos não reagem. Que civilização é esta? E recolho-me envergonhada, entristecida, nesta noite quase Natal!

Peço inspiração, medito.

E que escrever perante o olhar dessas vinte crianças que, confiantes, preparavam o Natal entre lápis de cor.

Ergo então uma prece. Peço aos anjos lá no Universo que, nessa noite, desçam mais perto desses pais, e permitam que eles oiçam o riso de seus filhos correndo pela casa, felizes, porque a noite de Natal chegou.

Anoiteceu, apagamos a luz, e depois
como uma foto que se guarda na carteira,
iluminam-se no quintal as flores da macieira
e, no papel de parede, agitam-se as recordações.
(...)


Manuel António Pina, Como se desenha uma casa
Assírio & Alvim, 2011 (excerto)


Para todos que passarem neste lugar de afectos e palavras, votos de um Natal em paz!

Miosótis (pseudónimo)

23.12.2012
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Monday, December 03, 2012

De repente o inverno





Serra da Estrela | Portugal

Fotografia: Nuno Pimenta



Serra da Estrela | Portugal
Fotografia: Nuno Pimenta





Serra da Estrela | Portugal

Fotografia: Nuno Pimenta


Nada me pertence -
só a paz interior
e a frescura do ar

Kobayashi Issa, Verão*


De repente foi inverno. O branco espalhou-se, silencioso, recortando o azul do infinito, embrulhando as nuvens.

Poiso o livro na mesa abstracta do imaginário, enquanto o olhar se afunda nas imagens. 

Abro a caixa da infância. As folhas soltam-se do livro e os aromas das noites de Dezembro, próximas do Natal, pairam na sala. Oiço a música que traz o sinal do tempo dos afectos. Ando à volta deles. Sacudo os cabelos, como quem espanta os pensamentos.

Paro. Na cidade, o ar húmido percorre a noite no instante do recolhimento. Está frio. Ninguém nas ruas. Os pássaros calaram-se. Silêncio. As luzes estão mais brilhantes, a lua que ainda ontem se exibia tão luminosa, recortada na paisagem,  permaneceu hoje recatada.

Volto então a pegar no livro e avanço até ao presente. No entanto, saberás que pensei em ti.

 
Anda
Vamos ver a neve
até que ela nos tape os olhos.
Matsuo Bashô, Inverno*

Miosótis (pseudónimo)

fragmentos da noite com flores

03.12.2012
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Referências:

*As Cigarras vão morrer, Haiku, uma antologia
Editora Casa do Sul, 2008

Fotografias Nuno Pimenta