Tuesday, May 07, 2013

Poesia na paisagem





«Não há-de voltar o verão em que ouvi
cair os ramos naquele bosque de fetos
e eucaliptos; nem o pássaro que por
um instante apagou o sol voltará a
cantar antes de se perder no horizonte. (...)


Nuno Júdice, Nós*


Poderia colar-me a estes versos de Nuno Júdice. O verão não pensa mesmo em voltar, este ano.

O sol raramente brilha, o céu cobre-se de cinza-pardo, quão difícil tem sido à luminosidade furar a intensa bruma, as folhas das árvores nem se espreguiçam para melhor mostrar seu verde-água-fresco e de longe a longe, um ou outro pássaro teima em chilrear nas madrugadas bem frias.

Meu pássaro-cantador, anunciador da Primavera, não voltou. Com mágoa minha. Ele me traz poesia.


O tempo!  Talvez que o poema nos faça entender com a alma o tempo! Mas temos quase sempre pressa em fruir melhores dias, instantes mais doces, aromas frequentes, sons de alegria. Como o do meu pássaro-cantador. 

Mudam-se os tempos, é verdade,

mas não mudamos quando o tempo
corre por entre nós com a sua lenta
música, e num abraço o perdemos
para que o tempo corra sem tempo.(...)

Nuno Júdice, Nós*




Tordo-músico

Não! Meu pássaro-cantador não voltou. Seria um tordo-músico? Mas que encantador! Saber que existem tordos-músicos! Desconhecia.

E mesmo nos poucos dias que se fizeram luminosos, cheios de sol e azul, o tordo-músico não voltou. Fez bem! Pressentiu que a Primavera não passaria por aqui, este ano.

Em seu lugar, ao final da tarde, quando o tempo se faz aprazível, os melros-pretos espalham-se pelos espaços verdes que me rodeiam, saltitando nos relvados em busca de algum alimento. Não lembrava tantos melros-pretos na cidade. Paravam mais pelos campos.

Gosto de os ver! Diz-se que anunciam que o tempo quente vai chegar. Não tem sido o caso, mas fruo desses instantes e olho-os com afecto. Porque aguardo que o verão se adentre, mesmo tendo desviado a primavera.

(...)
Assim, os nós que o tempo desata
com os seus dedos são os nós que
nos prendem, e com os dedos do verão
os fazemos atar-nos mais ainda,
soltos nós que nesse nó nos solta a voz.


Nuno Júdice, Nós (excertos)

in Fórmulas de uma luz inexplicável, Dom Quixote 2012


Foi este tempo contemplativo verbalizado em palavras escritas, um tributo a Nuno Júdice. Um  dos poetas portugueses que cito com muita frequência neste espaço. 



Nuno Júdice | O Estado dos Campos
Dom Quixote, 2003

Nuno Júdice foi recentemente galardoado pelo conjunto da sua obra com o "Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-americana", um dos mais apetecidos galardões das Letras.

"Vai dar projecção à minha obra, mas mais importante que isso, mostra que a poesia portuguesa continua a ter um papel importante neste contexto [ibero-americano]",

Nuno Júdice, Lusa


Mas o poeta tem já livros traduzidos em  Itália, Inglaterra e França. E a obra de Nuno Júdice já foi distinguida com vários prémios. Um deles, ser finalista do Prémio Europeu de Literatura (1994).

Muito mérito, o deste poeta! E tanta poesia.

Miosótis (pseudónimo)

fragmentos da tarde com flores

09.06.2013
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