Saturday, December 17, 2016

Tempo de Natal não esquecido !







Tiffany NY Christmas window


Ode aos Natais Esquecidos

Eu vinha, pé ante pé, em busca da pequena porta 

que dava acesso aos mistérios da noite, 
daquela noite em particular, por ser a mais terna 
de todas as noites que a minha memória 
era capaz de guardar, com letras e sons, 
no seu bojo de coisas imateriais e imperecíveis. 
Tinha comigo os cães e os retratos dos mortos, 
a lembrança de outras noites e de outros dias, 
os brinquedos cansados da solidão dos quartos, 
os cadernos invadidos pelos saberes inúteis. 
E todos me diziam que era ainda muito cedo, 
porque a meia-noite morava já dentro do sono, 
no território dos anjos e dos outros seres alados, 
hora inatingível a clamar pela nossa paciência, 
meninos hirtos de olhos fixos na claridade 
enganadora de uma árvore sem nome. 

José Jorge Letria, Natal
(excerto) 


Não. Para mim os natais da minha infância não estão esquecidos. Foi a parte mais suave e mais bonita da minha vida. 

Infância protegida, acarinhada, rodeada de muitos irmãos, todos rapazes, sendo eu a mais novinha, e de meus pais. Ah! E de minha avó materna. A única que pude conhecer. 

Avó Beatriz, loira com fios brancos, mulher guerreira, e que de tanta doçura me rodeou. Sua neta mais querida, dizia. A neta que a acompanhava até à quinta, nas férias da Páscoa ou de verão, e se levantava de madrugada para a acompanhar à missa da aldeia, hoje cidade, lá no Mosteiro. Nas terras do Minho, fronteira com Trás-os-Montes.

Mas no Natal, avó Beatriz vinha para a cidade e juntava-se aos netos todos. Mas a noite de Natal, ela preferia partilhar da nossa alegria, excitação, na espera das doze badaladas. 

Muito ensonados, saltávamos das camas, abríamos as portas dos quartos. E corríamos escadaria abaixo até ao verde pinheiro. Os rapazes mais indomáveis, deslizavam, velozes, pelo corrimão de madeira.

Que teria deixado o Pai Natal para cada um de nós? 

A casa era imensa, telhado lá no topo. Perfeito para as renas que puxavam o trenó poisarem e repousarem.

Havia vários fogões de sala. Portanto, a chaminé era grande, larga. Ideal para o Pai Natal passar com o seu imenso saco e cair directamente no fogão da sala grande, no último piso, onde se encontrava a árvore de verde pinho. A cadela Nina, uma Serra da Estrela, seguia-nos nessa excitação toda, companheira de todas as brincadeiras.

E meus pais, olhavam docemente, sorrindo cúmplices, ao observar os nossos olhos maravilhados, encadeados nas luzes da árvore de verde pinho. E nas prendas. Ouviam os nossos gritos Oh! de estupefacção - como poderia o Pai Natal ter recebido a nossa cartita? - e os nosso risos de alegria soltavam-se. E fingiam-se tão admirados quanto nós.

Até que um dia a morte entrou de rompante em nossa casa. E levou meu irmão, o mais novos dos rapazes. Mal fizera treze anos.

O Natal não voltou a ser o mesmo. O Pai Natal voltava. Mas já não ríamos despreocupados e felizes. Até Nina se tornara mais quieta. Ela que pressentira a noite que a morte rondou a nossa casa. Uivou lamuriosa.

Meus pais já não sorriam. Havia muita tristeza no seu olhar, Avó Beatriz tornou-se mais calada.

A grande emoção da nossa infância perdera-se com a partida de meu irmão.

Hoje, lembro todos. Muitos partiram. Tão precocemente. Avó Beatriz, meus pais. Eu não passava de uma miúda. A morte de meu irmão marcou seus corações. Não resistiram muitos anos. 

Mais tarde, há dez anos, meu irmão mais velho desistiu da vida. Meu grande amigo partiu, sem resistir. 

Todos juntos, assim acredito. Sinto. Olhando-me com ternura. Anjos protectores.

Nesta lembrança linda mesclada de tristeza, lembro os meninos de Alepo que já não choram. Meninos hirtos, de olhos fixos na claridade do fogo das armas que os matam, mutilam, traumatizam. 

Pecado dos senhores das guerras que roubam os natais às crianças de Alepo. 

Crianças que nunca terão lembranças doces de infância. Natais felizes, no aconchego do amor de seus pais. Em paz. Só guerra. 

Orfãos de pais, de amor, de paz. Percorrem as ruas, tentam fugir do inferno da guerra, perdidos. Sem pais, sem irmãos, sem brinquedos. 

Gostaria de crer, de novo, que o mundo se transformará para o Bem. E que os valores do respeito pela vida, voltarão ao coração dos Homens e das Mulheres de boa  vontade! Mas já não creio.


Miosótis (pseudónimo)

17.12.2016
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Saturday, December 03, 2016

Época de Natal






Christmas window

Dezembro, dia 1. É o início da preparação de Natal. Abertura oficial da época natalícia. Para mim, a festa da família. A doçaria que traz um aroma distinto à casa. Aromas de infância. Festa, luzes, cheiro a canela, creme queimado, risos das crianças, luzes feéricas que piscam intermitentes. Aconchego. Doçura. 

É o dia que aproveitamos para fazer a árvore de Natal, e decorar a casa. Dantes éramos mais a ornamentar a árvore ao som de Diana Krall ou WhamMelodias eternas que nos levam à magia da época.

Agora, a tradição é um pouco diferente, mas sempre especial. E há por perto um elemento inquieto que tem um papel bastante activo neste dia de montar a árvore: a gata siamesa que delira com as bolas e objectos decorativos, mete a patita nas caixas de cartão, rola as bolas pelo chão da sala, e espreita a possibilidade de atacar a árvore para retirar alguma decoração que lhe chame mais a atenção.

Bem diferente de uma outra gatinha, também ela siamesa, que viveu cá em casa durante muitos anos. E que partiu abruptamente. Muitas saudades.

Passava as noites, deitada na sua manta, poisada numa das cadeiras junto à árvore. E ali permanecia fiel, todas as noites, fascinada pelas luzes. Era a sua época de magia.

O passado de fazer o luto ainda presente, tenta colar-se. Mas sacudo. Deito fora com movimentos soltos que me ajudam a espantar todas as energias negativas porque tristes. 

A família virá. Estará de novo reunida. É preciso ter um sorriso lindo para oferecer. É a época de Natal.

Quero apenas as boas recordações que me apoiam no desapego dos sonhos que se desmoronaram tão completamente.

Sei que tenho vindo a criar novas rotinas, novas tradições que me alegrarão a alma. Não como acontecia antes. Não. Mas que me energizam para fixar no olhar esperança.

Porém, vou precisar de mais alguns Natais para lá chegar.

Miosótis (pseudónimo)

03.12.2016
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Friday, November 04, 2016

#OutubroRosa : Um filme 'Já Sinto a Tua Falta' & um concurso 'S'aimer'






Já Sinto a Tua Falta/ Miss You Already
Catherine Hardwicke, 2015

Este ano, por motivos pessoais, não escrevi o post dedicado a Outubro Rosa, como sempre faço desde Outubro 2008. 

Sim, um pouco tardio eu sei, mas há infinito tempo para dedicar alguns pensamentos, melhor ideias ou factos sobre Outubro Rosa. Um filme e uma conferência, um concurso de fotografia.





Miss You Already
Catherine Hardwicke, 2015

Começo pelo filme Já Sinto a Tua Falta: Estreou no passado dia 3 Novembro. Está em exibição nas salas de cinema. Miss You Alreadyem português traduzido por Já Sinto a Tua Falta conta a história da amizade entre duas mulheres, Milly e Jessque vivem uma intensa viagem emocional quando uma descobre que tem cancro da mama.


O filme conta com Drew Barrymore (Jess), Toni Collette (Milly) e Jacqueline Bisset (mãe de Jess) no papel de três mulheres fortes que se esforçam para lidar com a doença da amiga, a sua própria, e a da filha.






Miss You Already
Catherine Hardwicke, 2015

Milly e Jess têm partilhado tudo desde os tempos da infância. Segredos, gargalhadas, roupas, namorados. Mas foram crescendo e tentam ser adultas.

Milly (Toni Colette) tem uma carreira de sucesso e vive numa belíssima vivenda da cidade. Tem marido, Kit e dois filhos.





Já Sinto a Tua Falta/ Miss You Already
Catherine Hardwicke, 2015

Jess (Drew Barrymore), por seu lado, trabalha como urbanista e vive com o namorado Jago num boémio barco atracado num dos canais londrinos.

A amizade entre as duas continua tão sólida como antes. Mas Milly, a bem-sucedida profissional vê a sua longa amizade com Jess testada quando descobre que tem cancro de mama. 

Assim, enquanto sofre a provação da quimioterapia e mastectomia, Jess começa o tratamento de fertilização. E dá-se como que um fenómeno de simbiose cósmica na amizade entre as duas mulheres, dando a Jess um triunfo pessoal (engravidar) enquanto Milly sofre um terrível reverso.





Já Sinto a Tua Falta/ Miss You Already
Catherine Hardwicke, 2015

Já Sinto a Tua Falta / Miss You Already é um filme dramático  sobre o cancro ligado ao medo que tantas vezes nos assola o coração. Baseia a sua trama na amizade destas duas mulheres, na sua complexidade emocional, na sinceridade quase cirúrgica, e na sua vontade espontânea de rir, não importa a situação.







Um filme com um excelente elenco que conta Drew Barrymore, Toni Colette. E ainda Dominic Cooper - A Minha Semana com a Marilyn, Capitão América - e Paddy Considine (Orgulho, Macbeth) que interpretam os homens na vida destas duas amigas, e Jacqueline Bisset (Bem-Vindo a Nova York) no papel da mãe de Milly




 Catherine Hardwicke, Toni Collette e Morwenna Banks
créditos: Jeff Vespa/Getty Images

A realização é de Catherine Hardwicke, mais conhecida pelo seu trabalho na saga juvenil Twilight. Conta com argumento da actriz e escritora britânica Morwenna Banks, produção Sheryl Crow (cantora que admiro há alguns anos) e Trudie Styler, produtora e mulher de Sting, entre outros nomes. 

Mulheres que viveram de perto o drama do cancro da mama.

Vivemos em nossos corpos, cada segundo das nossas vidas. E, no entanto, por vezes, temos tão pouco contrôlo sobre eles.

Uma história com que qualquer uma de nós se pode identificar. Não vi ainda. Mas tenciono ver, dado que apoia a luta contra o cancro.






"Os desafios que a Oncologia enfrenta irão marcar profundamente a sociedade nas próximas décadas. De acordo com as projeções nacionais e internacionais, a evolução demográfica e a exposição a factores de risco determinarão um aumento da incidência de doenças oncológicas."

2º Congresso de Sobreviventes de Cancro a Liga Portuguesa Contra o Cancro pretende promover um espaço de informação e de partilha, através da abordagem de temáticas de relevante interesse e dirigidas aos sobreviventes, cuidadores, voluntários, profissionais de saúde e população em geral. 

As inscrições são gratuitas.




Concours photo S'aimer Estée Lauder 2016
crédits: Solenne Charriot/ Nantes (44)

Outubro Rosa é o mês de luta e prevenção contra o cancro da mama, uma campanha mundial anual, organizada pelas maiores associações de luta contra o cancro da mama. Teve como precursora Estée Lauder no lançamento da campanha Pink Ribbon

Anualmente realiza-se Estée Lauder Pink Ribbon Photo Award. "S'aimer", tema da edição 2016 do Concours Estée Lauder Pink Ribbon Photo Award, juntou perto de 300 fotógrafos, profissionais, amadores, oriundos de toda a França. 

A visitar a Galeria de Nomeadas. Uma lição de coragem. Enorme!


Miosótis (pseudónimo)

04.11.2016

actualizado 25.10.2021
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Friday, September 23, 2016

Ah! Outono. Morreste-me duas vezes





Outono
créditos: João Freitas Farinha


A vida tem-me silenciado. As palavras tornam-se cada vez mais parcas. E o sorriso que foi radioso, vai-se esvaindo. Levemente.

Mesmo aqui, neste espaço de desabafo, dos desassossegos constantes, sinto-me vazia. 

Hesito, escrevo o quê? O que me vai na alma? Mas está lá tão fundo. E as palavras? Não se soltam. Bloqueadas. Não tentam sequer revoltar-se, gritar: 

Anda! Abre lá o que te dói, te magoa! Solta-te! Exprime o que sentes! Nós falamos por ti!

Não. Nada. Nem este Outono que entrou lindo, sereno, me inspira, me reanima e leva a escrever. Abro a folha web. E fecho. Saio de mansinho. Desligo computador.

Procuro o refúgio, em olhar frágil, no firmamento que hoje se voltou a pintar de azul-pastel. Nem os aromas da brisa me aliciam. 

Tonalidades desfragmentadas. Outono em suspenso. Alma suspensa. Por um fio.

Busco a poesia. Releio Pessoa. E reaparece Outono. Volto então com poema de Pessoa. Na alma? A névoa dos afectos.


Uma névoa de Outono o ar raro vela

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

Fernando Pessoa, (5.11.1932)
in Poesias Inéditas (1930-1935)


Afasto-me. Até me reencontrar. Procurar de novo o equilíbrio. A superação do que me dói. 

O tempo o dirá. Há vidas fustigadas, sem fim.

Miosótis (pseudónimo) 

fragmentos da noite com flores

23.09.2016
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Sunday, August 28, 2016

O Meu Lugar





Ilha Formosa, Algarve
créditos: John Gallo

Rodear-me da serenidade que a natureza emana, faz-me renascer. Todas as preocupações e desassossegos se desvanecem. Ficam bem distantes. E regresso à minha simplicidade interior.

O meu lugar preferido? A praia. Claramente. Já o escrevi tantas vezes! Praia, mar, muito mar. Sem ventos desnorteados. Praia bem serena. Mar tranquilo. Sim, mas que me permita ouvir o marulhar da água adentrando-se pelo areal. E sol, sol quente.

Assim, sim. O verdadeiro significado de estados, sentimentos de paz. Liberdade, tranquilidade, felicidade, gratidão. 

Mostra-me, a magia, a benção que é a vida. Pega-se à pele, à alma. O perfeito mergulhar do sol no mar, no nosso corpo, vai trazendo o relaxamento aos sentidos, ao pensamento. 

E deixo-me ficar. Quieta. 

Na magia de um lugar-paraíso, olho em volta respirando cada lufada marítima, aquele cheiro a maresia quando há mais algas no areal.

De vez em quando cerrro os olhos, para que a imagem da imensidão permaneça no meu subconsciente. Perdidos, divagando sobre praias longínquas, seres distantes, lugares magníficos. Flui a imaginação do amor, da esperança, da certeza de poder ver o mundo.

O horizonte é feito de promessas.

No entanto, do que sinto, por agora, posso afirmar que ali na praia, sou mais eu. A minha essência se reencontra.

Na praia permaneço, em busca da serenidade que só lá aflora e se transforma.

É na praia, de frente para o mar que me inspiro. Leio, não oiço música, ou melhor oiço a melodia da água do mar. As gaivotas que sobrevoam ou os pequenos pássaros que começam a aparecer com mais abundância. Isto se tudo à volta for silêncio. Não sou contra a presença de outros. Mas como seria bom se respeitassem que ali vimos buscar serenidade e fruir dos sons da natureza.

É ali, num cantinho do Atlântico que melhor sinto a vida. 

É ali que corro sem destino, apesar de quieta. Que escrevo pinceladas de pensamentos que acorrem. Livres, soltos. 

Quando uma aragem mais fria reaparece, com a proximidade do pôr-do-sol,  e a chegada da lua, reúno as poucas coisas que tenho comigo, e preparo-me para voltar.

Antes de abandonar a praia, olho longamente o mar e agradeço a vida. Sinto-me  abençoada de fruir da natureza. Porque pouco, é tão tudo

Miosótis (pseudónimo)

fragmentos da noite com flores
28.08.2016
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Monday, August 08, 2016

Ode aos Bombeiros de Portugal : os nossos heróis !





Bombeiros de Portugal | Norte do país
créditos: autor não identificado
via Google Images Archive



Estava-se em pleno almoço familar. No Minho, não muito longe da barragem do Ermelo e da Peneda Gerês. Num turismo de habitação de familiares por afinidade.

Eram talvez quase três horas da tarde. Esperavam-se outros familiares vindos de Braga e Guimarães. A mesa festiva posta ao ar livre. Por cima, um toldo imenso que protegia do sol abrasador. Festejava-se o aniversário de uma criança. Mas muitas outras se encontravam por ali. À mesa ou soltas pelos jardins ou na piscina. Turistas nacionais e estrangeiros.

O ar estava cada vez mais irrespirável, quase insuportável. Depois de ter visitado a casa encantadora pelo olhar de quem ama aquele espaço, como obra sua. Tão convidativo, elegante, pequenos recortes de bom gosto. 

Os jardins, a sala de convívio, os terraços envolventes, a piscina. Uma situação geográfica, no alto de uma colina, permite uma vista panorâmica das montanhas esplendorosas que a rodeiam.

Os quartos situados no interior da casa ou os quartos independentes, pequenas casa de pedra logo após os portões de ferro de acesso à Quinta, estavam todos ocupados.  Número reduzido, num ambiente intimista.

Requintes de um turismo rural de habitação acima da média. Bom gosto, equilíbrio paisagístico de imensa qualidade. Interior intimista.

Sentados à mesa, no terraço posterior à casa, a tijoleira quente e um ar abafado. De repente, varrido por ondas de calor intenso que fizeram voar tudo o que de mais leve se encontrava na mesa. 

As cores que pintavam o céu, no início de uma intensa tarde de sol, tornaram-se cada vez mais escuras, quase negras, muito feias.


Repentino, como uma folha que se solta, começámos a avistar um fumo denso a alguns metros, numa colina. E num ar de sopro, as chamas quentes romperam da paisagem à nossa frente. Aumentando a cada minuto. Ventos fortes, sem direcção, descontrolados.

Retirámos tudo. Refeição, cadeiras, toldos, espreguiçadeiras penduradas entre árvores. Entrámos em casa. Nem assim estava fácil. À volta tudo ardia. Embora ainda a uma certa distância. 

Telefonou-se para o 112. Antenderam de imediato. Responderam que não tinham mais bombeiros ou meios disponíveis. Os incêndios irrompiam por todo o norte do país.

E nós, ali tão perto. No silêncio campestre, perturbado pelos fortes ventos que traziam até nós o som das chamas de fogo intenso, do crepitar das árvores e vegetação a arder.

Tão triste. Tão triste aquele silêncio, aquela paisagem serena, perturbados pelo monstro de um incêndio florestal. Houve casas que começaram  a ficar em perigo, ouviram-se os primeiros gritos dos habitantes locais, no meio daquele inferno que se abriu ali tão perto.

Inquietos, todos nós de nariz no ar, novas tentativas de ligar ao 112, sem resposta. Passados talvez vinte a trinta minutos, ouvimos o barulho de um helicóptero. Ali, na região há água em abundância. A barragem do Ermelo, a cascata do Tahiti, barragem da Caniçada. Até a piscina foi disponibilizada.

Respirámos mais aliviados, as crianças acalmaram, embora recolhidas na casa para evitar fumos tóxicos.

O helicóptero fez primeiro uma volta de reconhecimento e depois foi um vai-e-vém de cestos de água espalhados ao longo da já grande massa de chamas. Chamas que mal se apagavam, voltavam a reacender pelo poder dos ventos quentes, fortes, que continuavam a soprar.

Alguns dos homens da família partiram afoitos, voluntários, no apoio aos locais e ajudaram alguns a abandonar as casas ou prestaram auxílio aos que tentavam proteger bens.

Até que os rodados de dois tanques de bombeiros se fizeram ouvir na estreita estrada em pedra rural que dava acesso mais aproximado ao foco de incêndio. Mais tarde, mais dois se juntaram.

Aqueles homens e mulheres, voluntários na sua maioria, com um dia de intenso calor às costas. A luta sem esmorecer contra desumanidade de pessoas que não limpam os seus matos. Ou de alguns, bem sabemos, que põem fogo que tem a seu favor os ventos fortes, as altas temperaturas que numa lufada de vento, lavra terrenos,  ameaça pessoas, animais, casas e outros bens.



 
Vieira do Minho
via Google Images Archive

Já bem no final da tarde, passado o maior perigo, sentei-me neste recanto lindo que dá para a piscina e para a paisagem, rodeada de alguns familiares e amigos dos mais novos, que entretanto chegaram para um mergulho na água azul-límpido da piscina. Juntaram-se também alguns turistas, hóspedes da quinta.

O propriétário preparou para todos os familares e amigos um saboroso refresco, cheio de fruta e bem fresco, o que apreciámos, saboreando cada pequeno golo com apreço. Agradecidos.


Abandonámos a Quinta de Turismo de Habitação ao início do anoitecer, depois de sentirmos que estávamos livres para poder circular. No caminho de regresso, eram muitos os veraneantes que saíam da barragem do Ermelo, da Peneda Gerês. E outros locais paisagísticos onde se pode encontrar arvoredo e água para um dia aprazível em plena natureza. O Minho.

Foi tão triste, no meio de uma paisagem magnífica, onde  o silêncio da natureza reinava, ver o céu azul ofuscado pelos fumos dos incêndios, o cheiro a campo desbravado pelo odor de fumo a queimado. 

É tão doloroso pensar naqueles bombeiros, homens e mulheres, que lutam contra o fogo, tantas vezes, pondo a sua vida em risco. Com pouco descanso, falta de alimentação e o corpo a desidratar. Exaustos, mas não vencidos.




Bombeiros de Portugal | Norte do país
via Google Images Archive

Um bem haja a todos os Bombeiros do meu país. A todos aqueles que deixam as suas casas, as suas famílias para ajudarem os outros. Sem críticas. Não abrem a boca contra os possíveis culpados. 

Acredito que fazem o melhor que as forças físicas permitem. Exaustos, o cansaço estampado no rosto, perante tanta adversidade. Força, coragem, abnegação.





Bombeiros de Portugal | Norte do país
créditos: Nelson Garrido
via Público


Que sejam encontrados os culpados, que  a justiça legal seja mais severa com os que não limpam os seus terrenos, e depois são atingidos pelo seu próprio erro, pondo em risco também os que cumprem e limpam. 

 sobretudo justiça legal com quem pratica actos criminosos de fogo posto. 

Bem-haja, a todos os bombeiros do meu país! 

Miosótis (pseudónimo)

08.08.2016

actualizado 05.08.2024
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