Friday, September 23, 2016

Ah! Outono. Morreste-me duas vezes





Outono
créditos: João Freitas Farinha


A vida tem-me silenciado. As palavras tornam-se cada vez mais parcas. E o sorriso que foi radioso, vai-se esvaindo. Levemente.

Mesmo aqui, neste espaço de desabafo, dos desassossegos constantes, sinto-me vazia. 

Hesito, escrevo o quê? O que me vai na alma? Mas está lá tão fundo. E as palavras? Não se soltam. Bloqueadas. Não tentam sequer revoltar-se, gritar: 

Anda! Abre lá o que te dói, te magoa! Solta-te! Exprime o que sentes! Nós falamos por ti!

Não. Nada. Nem este Outono que entrou lindo, sereno, me inspira, me reanima e leva a escrever. Abro a folha web. E fecho. Saio de mansinho. Desligo computador.

Procuro o refúgio, em olhar frágil, no firmamento que hoje se voltou a pintar de azul-pastel. Nem os aromas da brisa me aliciam. 

Tonalidades desfragmentadas. Outono em suspenso. Alma suspensa. Por um fio.

Busco a poesia. Releio Pessoa. E reaparece Outono. Volto então com poema de Pessoa. Na alma? A névoa dos afectos.


Uma névoa de Outono o ar raro vela

Uma névoa de Outono o ar raro vela,
Cores de meia-cor pairam no céu.
O que indistintamente se revela,
Árvores, casas, montes, nada é meu.

Sim, vejo-o, e pela vista sou seu dono.
Sim, sinto-o eu pelo coração, o como.
Mas entre mim e ver há um grande sono.
De sentir é só a janela a que eu assomo.

Amanhã, se estiver um dia igual,
Mas se for outro, porque é amanhã,
Terei outra verdade, universal,
E será como esta [...]

Fernando Pessoa, (5.11.1932)
in Poesias Inéditas (1930-1935)


Afasto-me. Até me reencontrar. Procurar de novo o equilíbrio. A superação do que me dói. 

O tempo o dirá. Há vidas fustigadas, sem fim.

Miosótis (pseudónimo) 

fragmentos da noite com flores

23.09.2016
Copyright ©2016-fragmentosdanoitecomflores Blog, fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com® 


5 comments:

Manuel Veiga said...

grato pelo poema de Pessoa - que não conhecia.

gosto da suavidade do Outono e suas cores quentes.

beijo

Suzete Brainer said...

Talvez, as palavras em ti estejam nesta tonalidade com o teu sentir
introspectivo e recluso.
Mas, elas voaram no teu belo texto como música na partitura do outono;
como poesia nas imagens na "contra mão" do teu sentir, dito por ti:
"palavras bloqueadas".
Não, as palavras se soltaram inscritas de beleza textual e na
companhia do Poema (belíssimo...) do Pessoa e com a foto arte
a gritar: Luz!...

Dias luminosos de inspirações, querida.
Beijinhos.

Mar Arável said...

Há flores em todos os apeadeiros da vida
Bj

Mariazita said...

Todos nós atravessamos períodos na vida em que parece que "nada apetece".
Ao ler este texto que me encantou... lembrei-me de um post que publiquei há muito tempo no meu blog, cujo título é: Hoje não me apetece falar.
A verdade é que não me apetecia mesmo, mas acabou por ficar um post ainda maior que o habitual.
Aconteceu o mesmo contigo, nesta postagem.
Foste desfiando o teu desconforto com as palavras e acabaste num texto óptimo.
Mas...o Outono tem esse efeito em mim. Parece que não apetece fazer nada.
A Primavera há-de chegar, tenhamos fé.

Bom Fim-de-semana
Beijinhos
MARIAZITA / A CASA DA MARIQUINHAS

MS said...

A Manuel Veiga, Suzete Brainer, Mar Arável, Mariazita,

Agradeço a todos do fundo do coração, o carinho e apoio que aqui depositaram transformados em palavras.

Só posso estar muito grata pela amizade que me concedem.

Um imenso abraço para todos