Estava-se em pleno almoço familar. No Minho, não muito longe da barragem do Ermelo e da Peneda Gerês. Num turismo de habitação de familiares por afinidade.
Eram talvez quase três horas da tarde. Esperavam-se outros familiares vindos de Braga e Guimarães. A mesa festiva posta ao ar livre. Por cima, um toldo imenso que protegia do sol abrasador. Festejava-se o aniversário de uma criança. Mas muitas outras se encontravam por ali. À mesa ou soltas pelos jardins ou na piscina. Turistas nacionais e estrangeiros.
O ar estava cada vez mais irrespirável, quase insuportável. Depois de ter visitado a casa encantadora pelo olhar de quem ama aquele espaço, como obra sua. Tão convidativo, elegante, pequenos recortes de bom gosto.
Os jardins, a sala de convívio, os terraços envolventes, a piscina. Uma situação geográfica, no alto de uma colina, permite uma vista panorâmica das montanhas esplendorosas que a rodeiam.
Os quartos situados no interior da casa ou os quartos independentes, pequenas casa de pedra logo após os portões de ferro de acesso à Quinta, estavam todos ocupados. Número reduzido, num ambiente intimista.
Requintes de um turismo rural de habitação acima da média. Bom gosto, equilíbrio paisagístico de imensa qualidade. Interior intimista.
Sentados à mesa, no terraço posterior à casa, a tijoleira quente e um ar abafado. De repente, varrido por ondas de calor intenso que fizeram voar tudo o que de mais leve se encontrava na mesa.
As cores que pintavam o céu, no início de uma intensa tarde de sol, tornaram-se cada vez mais escuras, quase negras, muito feias.
Repentino, como uma folha que se solta, começámos a avistar um fumo denso a alguns metros, numa colina. E num ar de sopro, as chamas quentes romperam da paisagem à nossa frente. Aumentando a cada minuto. Ventos fortes, sem direcção, descontrolados.
Retirámos tudo. Refeição, cadeiras, toldos, espreguiçadeiras penduradas entre árvores. Entrámos em casa. Nem assim estava fácil. À volta tudo ardia. Embora ainda a uma certa distância.
Telefonou-se para o 112. Antenderam de imediato. Responderam que não tinham mais bombeiros ou meios disponíveis. Os incêndios irrompiam por todo o norte do país.
E nós, ali tão perto. No silêncio campestre, perturbado pelos fortes ventos que traziam até nós o som das chamas de fogo intenso, do crepitar das árvores e vegetação a arder.
Tão triste. Tão triste aquele silêncio, aquela paisagem serena, perturbados pelo monstro de um incêndio florestal. Houve casas que começaram a ficar em perigo, ouviram-se os primeiros gritos dos habitantes locais, no meio daquele inferno que se abriu ali tão perto.
Inquietos, todos nós de nariz no ar, novas tentativas de ligar ao 112, sem resposta. Passados talvez vinte a trinta minutos, ouvimos o barulho de um helicóptero. Ali, na região há água em abundância. A barragem do Ermelo, a cascata do Tahiti, barragem da Caniçada. Até a piscina foi disponibilizada.
Respirámos mais aliviados, as crianças acalmaram, embora recolhidas na casa para evitar fumos tóxicos.
O helicóptero fez primeiro uma volta de reconhecimento e depois foi um vai-e-vém de cestos de água espalhados ao longo da já grande massa de chamas. Chamas que mal se apagavam, voltavam a reacender pelo poder dos ventos quentes, fortes, que continuavam a soprar.
Alguns dos homens da família partiram afoitos, voluntários, no apoio aos locais e ajudaram alguns a abandonar as casas ou prestaram auxílio aos que tentavam proteger bens.
Até que os rodados de dois tanques de bombeiros se fizeram ouvir na estreita estrada em pedra rural que dava acesso mais aproximado ao foco de incêndio. Mais tarde, mais dois se juntaram.
Aqueles homens e mulheres, voluntários na sua maioria, com um dia de intenso calor às costas. A luta sem esmorecer contra desumanidade de pessoas que não limpam os seus matos. Ou de alguns, bem sabemos, que põem fogo que tem a seu favor os ventos fortes, as altas temperaturas que numa lufada de vento, lavra terrenos, ameaça pessoas, animais, casas e outros bens.
Vieira do Minho
via Google Images Archive
Já bem no final da tarde, passado o maior perigo, sentei-me neste recanto lindo que dá para a piscina e para a paisagem, rodeada de alguns familiares e amigos dos mais novos, que entretanto chegaram para um mergulho na água azul-límpido da piscina. Juntaram-se também alguns turistas, hóspedes da quinta.
O propriétário preparou para todos os familares e amigos um saboroso refresco, cheio de fruta e bem fresco, o que apreciámos, saboreando cada pequeno golo com apreço. Agradecidos.
Abandonámos a Quinta de Turismo de Habitação ao início do anoitecer, depois de sentirmos que estávamos livres para poder circular. No caminho de regresso, eram muitos os veraneantes que saíam da barragem do Ermelo, da Peneda Gerês. E outros locais paisagísticos onde se pode encontrar arvoredo e água para um dia aprazível em plena natureza. O Minho.
Foi tão triste, no meio de uma paisagem magnífica, onde o silêncio da natureza reinava, ver o céu azul ofuscado pelos fumos dos incêndios, o cheiro a campo desbravado pelo odor de fumo a queimado.
É tão doloroso pensar naqueles bombeiros, homens e mulheres, que lutam contra o fogo, tantas vezes, pondo a sua vida em risco. Com pouco descanso, falta de alimentação e o corpo a desidratar. Exaustos, mas não vencidos.
Bombeiros de Portugal | Norte do país
via Google Images Archive
Um bem haja a todos os Bombeiros do meu país. A todos aqueles que deixam as suas casas, as suas famílias para ajudarem os outros. Sem críticas. Não abrem a boca contra os possíveis culpados.
Acredito que fazem o melhor que as forças físicas permitem. Exaustos, o cansaço estampado no rosto, perante tanta adversidade. Força, coragem, abnegação.
Bombeiros de Portugal | Norte do país
créditos: Nelson Garrido
via Público
Que sejam encontrados os culpados, que a justiça legal seja mais severa com os que não limpam os seus terrenos, e depois são atingidos pelo seu próprio erro, pondo em risco também os que cumprem e limpam.
E sobretudo justiça legal com quem pratica actos criminosos de fogo posto.
Bem-haja, a todos os bombeiros do meu país!
Miosótis (pseudónimo)
08.08.2016
actualizado 05.08.2024
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4 comments:
Achei muito emocionante, bela e reflexiva a tua narrativa (uma cena de filme
diante da beleza (arte) da narrativa e ao mesmo tempo, descrevendo uma
realidade dramática e triste de acontecer...).
A questão profunda da responsabilidade, o ser humano negligente a esta
responsabilidade pela vida no sentido mais amplo, o do meio ambiente,
parece que a natureza é uma decoração da casa, sem a consciência da
vida que nela existe e generosamente beneficia a humanidade e parte
desta humanidade diariamente destruindo esta natureza.
Os bombeiros são tipo "heróis" diante a um trabalho grandioso
de salvar vidas!...
Beijinhos, querida amiga.
Seria bom conhecer os hectares ardidos
antes subsidiados para reflorestação
Bj
Foi um narrativa real vivenciada num dia que seria de puro lazer.
O espaço é lindo e a cena dramática em que nos vimos envolvidos, felizmente tendo o vento a nosso favor, mas ouvindo e vendo a aflição da população local, participámos daquela perda e sofremos com o seu desespero. Felizmente não houve feridos, nem mortes de animais, todos inocentes naquele pequeno/grande inferno de chamas.
Os bombeiros, voluntários na sua maioria, são mesmo os nossos heróis e tenho um imenso respeito e muita admiração pela coragem e abnegação.
Sensibilizada pela tua presença sempre atenta, querida Suzete.
Beijinhos
Pois isso é um problema que cabe às entidades locais e municipais, 'Mar Arável'. Esperemos que a lei se torne mais vigilante e rigorosa.
Boa semana, amigo!
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