Foto: José Oliveira
Penso no inverno: a estação que ocupa
o centro do espírito. Nas árvores mais altas
que o outono despiu.
Nuno Júdice, Inverno*
Não! Eu sei! O inverno ainda não se adentrou. O outono ainda não despiu completamente as árvores mais altas. As folhas vestem os matizes ocre alaranjado mesclando os castanhos e os amarelos cor de açafrão.
Os dias mantêm-se luminosos, límpidos, numa tranquilidade atravessada pelas aves que continuam a percorrer as nuvens em bandos alegres, volteando de lá para cá, despertando a curiosidade da minha gata e o meu encantamento.
Deixo-me seduzir por essa alegria à solta. Sigo com olhar sem fim nesse desejo de flutuar na mais imprecisa das emoções.
Coisas simples quando o que está em causa é o poisar do sol que não acontece. De rompante este celebrar da natureza quebra-se.
Foto: José Oliveira
A noite entra já pelos vidros das janelas. Poisa-se o silêncio na casa. A hora de inverno chegou, num manto de treva prematura.
Esse limite empurra-me o olhar para outros horizontes que vão para além da linha do firmamento, desaparecido no anoitecer brusco. O outro lado do dia. A noite.
Não que não goste da noite. Gosto sim! Mas é a cidade que morre, a natureza que prepara a longa hibernação. É o outono que cai. E me obriga a recolher.
Dir-me-ão que é o ciclo da natureza que habita também em nós. Pois será. Mas poderia ser de outro modo?
Eis que interrompo este quadro que arrasta a melancolia. Os aromas da erva doce nas castanhas assadas, da canela nas maçãs quentes saídas do forno espalham-se pela casa.
Os sabores do tempo.
E para além disso, o quê? A respiração do vento da minha alma.
Miosótis (pseudónimo)
28.10.2012
(glosa sobre poema de Nuno Júdice)
Referências:
Créditos: Fotografias de José Oliveira | Facebook
Publicações Dom Quixote, 2001