Poster Les Herbes Folles
Alain Resnais
"Resnais laisse pousser l'herbe folle de son inconscient."
Jean-Luc Douin
Le Monde, 21.05.2009
O final de tarde fez-se cinzento, atmosfera estranha. Apetecia-me uma sessão de cinema. Passei os olhos pelas salas de exibição e deparei-me com o filme de Alain Resnais Ervas Daninhas.
Tempo ideal para ver um filme de autor! Sentada numa sala estúdio, música ambiente jazz, afundei-me na cadeira e esperei pela clássica escuridão sob ecrã luminoso. Um momento muito nosso, não é mesmo?
Baseado no livro L'Incident de Christian Gailly, o filme é uma adaptação totalmente livre! Como que percorrido por um vento de loucura, como aliás são as personagens principais, Georges Palet, um aventureiro do imaginário, e Marguerite Muir, uma mulher quase diferente!
Um casal improvável, absurdo, numa história que pode ser vista como um exercício cinematográfico sobre alguns devaneios, pulsões incontroláveis que se escondem, tantas vezes, na cabeça de todos nós.
Nada se poderia ter passado entre estas duas personagens, mas os acasos do amor não se encomendam! Talvez como essas "herbes folles" (a expressão francesa é bem mais elucidativa do que versão portuguesa, já que distorce a real intenção do autor), que crescem livres e soltas nos interstícios de um pedaço de betume esventrado.
Resnais aponta as nossas dificuldades em exprimir os nossos anseios, em fazer coincidir os nossos imaginários, enfim, todos os desencontros. A eterna busca da alma gémea?
Les herbes folles/ Studio Canal
Num filme surrealista, com recurso aos jogos de palavras, aos diálogos com duplo sentido, onde a voz interior do atormentado protagonista entra em diálogo com a voz off de um divertido narrador.
Percorremos com Resnais várias referências do cinema, até o beijo hollywoodiano sobre fundo sonoro do genérico da Twentieth Century Fox e a palavra Fin sobreposta, que não é coincidente, de modo algum, com o final do filme! Um adorável devaneio cinematográfico.
O realizador de Providence, Hiroshima mon amour ou o alegre On connait la chanson oferece-nos uma diversão, só pode! que se cruza com o simples prazer de ir ao cinema.
À quatre-vingt sept «printemps», et si Alain Resnais continuait de se sentir comme une «herbe folle» poussée sans rime ni raison au cœur du cinéma français ?
Le Figaro, Nous sommes tous des herbes folles
04.11.2009
O filme é um maelström de décors encantatórios - ressalto o interior do apartamento de Marguerite - ruas cintilantes, um universo de cores esplendorosas, onde sobressaem os verdes, turquesas, vermelhos, ao bom estilo Broadway.
Nesse universo, a vida parece um romance, o espírito vagueia, ao som de improvisações jazzy magníficas, onde não faltam as elegias aos livros.
"Lire n'a jamais tué personne. Au contraire, ça aide à vivre"
Alain Resnais & Sabine Azéma/ Studio Canal
Enfim! Um prazer para os ouvidos e para o olhar com os actores fétiche de Alain Resnais, o indefinível André Dussollier e a inigualável Sabine Azéma que se degladiam divertidos no picaresco das suas personagens!
"Quand on sort du cinéma, plus rien ne vous étonne. Tout peut arriver avec le plus grand naturel "
... faz o cineasta dizer a uma da suas personagens! Não acham uma óptima razão para lá entrar?
Aconselho vivamente, neste tempo de cinza integral. Um exercício de estilo bem juvenil que valeu ao cineasta de 87 anos o Prix Exceptionnel du Jury no Festival de Cannes 2009.
Miosótis (pseudónimo)
fragmentos da noite com flores
15.04.2010
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