Beija-flor de topete
créditos: JQuental (Br)
http://jquental.multiply.com
Começa a haver meia-noite e a haver sossego,
Por toda a parte das casas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida…
Os andares vários da acumulação da vida…
Vai tudo dormir…
(...)
Todos os anos, um pássaro-cantor ouve-se da minha janela, mal começa o anoitecer! Que estranho! Tinha ideia que os pássaros só cantavam à luz do raiar do dia, em finais de tarde quentes, com suaves tons azul rosado mesclados de fiapos de nuvens arrumando-se no firmamento.
Mas este pássaro-cantor reaparece sempre por esta altura, anunciando-me com a sua exuberante ária a Primavera!
E eu emudeço, desdobrando-me em mil cuidados, aproximo-me de mansinho, abro num gesto tranquilo, quase terno, a janela, e páro!
Faço um silêncio profundo, mando calar meus tumultuosos pensamentos, e emudecida, imersa em fragrâncias soltas, doces, deixo os meus sentidos inundarem-se daquela melodia cristalina, trinada em tom maior. À noite! E sorrio!
Sorrio de ternura pelo pássaro-cantor que me traz de volta a Primavera. E sorrio de encantamento!
A ternura mescla-se com o encantamento de ter a capacidade de estacar ao som do canto do (meu) livre pássaro, anunciador da Primavera.
Faço um silêncio profundo, mando calar meus tumultuosos pensamentos, e emudecida, imersa em fragrâncias soltas, doces, deixo os meus sentidos inundarem-se daquela melodia cristalina, trinada em tom maior. À noite! E sorrio!
Sorrio de ternura pelo pássaro-cantor que me traz de volta a Primavera. E sorrio de encantamento!
A ternura mescla-se com o encantamento de ter a capacidade de estacar ao som do canto do (meu) livre pássaro, anunciador da Primavera.
(...)
Fico sozinho com o universo inteiro.
Nem quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anti-citadino!...
Nem quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anti-citadino!...
(...)
Sim, vivo na cidade... no campo! Lembro quando vim para este lado da cidade! Faz alguns anos, fugia do bulício de uma rua barulhenta onde os pássaros não poisavam, apesar de haver árvores!
Todos os anos, o meu pássaro-cantor reaparece e este silêncio musicado toca-me! Vem aí a Primavera!
(...)
Vai tudo dormir…
Só eu velo, sonolentamente escutando…
Esperando
Qualquer coisa antes que durma…
Qualquer coisa…
Álvaro de Campos, Começa a haver meia-noite e a haver sossego
9 - 8 - 1934
in Poesia, Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
... um pássaro me anuncia a Primavera! O (meu) pássaro-cantor! A paz que há nos campos em volta da minha janela citadina, refugia-se em minh'alma!
O universo debruça-se sobre a cidade longínqua de luzes tremulares. Doces momentos nocturnos.
O universo debruça-se sobre a cidade longínqua de luzes tremulares. Doces momentos nocturnos.
Vem aí a Primavera!
Miosótis (pseudónimo)
texto original, 23.03.2010
Copyright ©2010-fragmentosdanoitecomflores Blog, fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com®
texto original, 23.03.2010
Copyright ©2010-fragmentosdanoitecomflores Blog, fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com®
fragmentos de um pássaro-cantor nas noites em que as flores começam a desabrochar na pequena varanda virada para a imensidão da paisagem nocturna.
*Poesia: Álvaro de Campos, Começa a haver meia-noite e a haver sossego
9 - 8 - 1934
in Poesia, Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002