Sunday, January 01, 2006

Silêncios em blue





Imagem* Autor não identificado

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[...] ele escrevia o meu nome num papel ele sentava-se
numa cadeira e o luar era a luz de um candeeiro
sobre as palavras escritas.

ele disse amo-te.

[...] ele escreveu o meu nome durante muitos anos.
eu perguntei porque continuas a escrever
o meu nome? ele olhou para mim, e perguntou
quem és tu?

José Luìs Peixoto, O Escritor, 2002



Aqui não há vozes, só a tua ausência


Eu segurava com todo o amor de lua a tua doce cabeça que poisava em mim, seda pura. E de olhos semicerrados, com mil afagos ternos, eu te beijava serenamente, em silêncio, receosa de te perder, de te sobressaltar.


Exausta da brutalidade dos espaços, dos prantos e da vida, (re)encontrava em ti, meu profundo amigo, aquele afecto eterno, inexperienciado em outros templos.

A lua elevava-se no universo, iluminando com sua luz azul anil, da cor deste sonho, que eu teimava em pintar. Entrelaçávamos nossos corpos, bebendo gotas de orvalho, e assim permanecíamos sedentos de afecto e mil carícias. Só nós as sabíamos sentir no toque virginal que nos habitava.

Cortinas de pirilampos filtravam os olhares indiscretos, mundanos, duros, daqueles que não reconhecem o amor intemporal. Tu eras sol, eu era lua. Jardins e aromas raros desabrochavam, impregnando suavemente este doce cântico de sons distantes, trazidos para além dos tempos.

Um retrato sagrado, do imenso carinho que nos unia. Regressavas esmorecido, as tuas asas encharcadas, semi-partidas, de voos agrestes e intempestivos.

E um dia partiste, sem voltar. Partiste, e não disseste a verdade. Prometeste escrever, regressar com os gansos selvagens. E não voltaste! A tua voz extinguiu-se, e o meu pranto brotou.

Hoje entendo que outras paixões te povoam, encantam sofregamente. Seduzido pela beleza exterior do efémero corpo de mulheres, tu buscas outras mãos mais prementes de sensações fortes, carnais, momentâneas, mesmo tendo como fingimento a não alma, e se desnudam, para atrair tuas asas de eterno Ícaro.

Tudo neste mundo é sonho e ilusão. Alguns enlouquecem de tanto cantar o amor. A minha idade um bosque de bambus. Ao entardecer, as aves regressam aos pares. E eu emudecida, observo.

Pedaços de brisa, o luar, a solidão. As pétalas de lótus deixo cair de minhas mãos. Apenas nuvens brancas. Volto a casa derrotada, fecho a grade do jardim do tempo.


(...) há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim. (...)

José Luís Peixoto, A mulher mais bonita do mundo, 2002


Miosótis (pseudónimo)
 ©texto original, 01.01.2006
Copyright ©2006-fragmentosdanoitecomflores Blog, fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com®


(de encontro ao silêncio, dentro do mundo, em noite do amanhecer de um novo ano)


Licença Creative Commons

* A imagem belíssima, publicada em tons de cobre e oiro, encontrei-a há alguns anos, num fórum de discussão. Guardei-a como se me tivesse sido dedicada.


Mais tarde, encontrei-a num motor de busca. Não tinha autor identificada. Hoje publiquei-a na cor que melhor transmite a luz do luar, a minha.

Que me perdoe ao autor! Ou então que se identifique...

7 comments:

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