A lua elevava-se no universo, iluminando com sua luz azul anil, da cor deste sonho, que eu teimava em pintar. Entrelaçávamos nossos corpos, bebendo gotas de orvalho, e assim permanecíamos sedentos de afecto e mil carícias. Só nós as sabíamos sentir no toque virginal que nos habitava.
Cortinas de pirilampos filtravam os olhares indiscretos, mundanos, duros, daqueles que não reconhecem o amor intemporal. Tu eras sol, eu era lua. Jardins e aromas raros desabrochavam, impregnando suavemente este doce cântico de sons distantes, trazidos para além dos tempos.
Um retrato sagrado, do imenso carinho que nos unia. Regressavas esmorecido, as tuas asas encharcadas, semi-partidas, de voos agrestes e intempestivos.
E um dia partiste, sem voltar. Partiste, e não disseste a verdade. Prometeste escrever, regressar com os gansos selvagens. E não voltaste! A tua voz extinguiu-se, e o meu pranto brotou.
Hoje entendo que outras paixões te povoam, encantam sofregamente. Seduzido pela beleza exterior do efémero corpo de mulheres, tu buscas outras mãos mais prementes de sensações fortes, carnais, momentâneas, mesmo tendo como fingimento a não alma, e se desnudam, para atrair tuas asas de eterno Ícaro.
Tudo neste mundo é sonho e ilusão. Alguns enlouquecem de tanto cantar o amor. A minha idade um bosque de bambus. Ao entardecer, as aves regressam aos pares. E eu emudecida, observo.
Pedaços de brisa, o luar, a solidão. As pétalas de lótus deixo cair de minhas mãos. Apenas nuvens brancas. Volto a casa derrotada, fecho a grade do jardim do tempo.
(...) há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim. (...)
José Luís Peixoto, A mulher mais bonita do mundo, 2002
Miosótis (pseudónimo)