Sunday, October 11, 2015

E a praia ali tão perto...





Naufrágio do Olivia Ribal
créditos: Paulo Octávio

O naufrágio, o desespero, do Olivia Ribal, pelos olhos deste fotógrafo anónimo. Todos vimos. Quase ouvíamos.

A angústia, os gritos das famílias, ali, poisadas na praia, de olhos fixos no mar, - como sói nesta vida ingrata de pescadores. 

Esta tragédia magoou-me. Ali tão perto da praia.

Um tempo, outros tempos que a memória evoca. Memórias de infância, férias de verão. Praia piscatória de grande tradição de mar. Póvoa de Varzim.

Vozes nocturnas, sombras vestidas de negro, chorando em circulo, rezavam, em noites de mar bravio, traiçoeiro. Apelavam pela benção de ver de madrugada chegar, os que já tardavam.

Como sofria, aflita, criança, olhando pela varanda virada ao mar. Não entendia muito bem, mas na alma entrava-me dor de todas aquelas mulheres, quando seus homens - maridos, filhos, pais - não chegavam.

E quando tardavam de mais ou ouvidas novas agoirentas, as mulheres levantavam-se, e fazendo frente ao tenebroso bramido do mar, lançavam pragas - mar impiedoso - que lhes dava o pão, mas lhes tirava os homens. 

Erguiam os braços para o infinito, pedindo misericórdia, para que os corpos dos seus entes lhes fossem devolvidos. E por ali ficavam até o mar os trazer.

"nunca mais faltem ao respeito para com aqueles que fazem do mar a sua vida". - ouvi, um destes dias a alguém do mar. Silenciei, como em prece, relembrando essas noites de infância.

Fui reler Miguel Torga. Poiso seus versos aqui, em tributo aos valerosos pescadores da Figueira da Foz. E estendo a todos os homens do mar do meu país.

Mar Mar!

Tinhas um nome que ninguém temia:
Era um campo macio de lavrar
Ou qualquer sugestão que apetecia...

Mar!

Tinhas um choro de quem sofre tanto
Que não pode calar-se, nem gritar,
Nem aumentar nem sufocar o pranto...

Mar!

Fomos então a ti cheios de amor!
E o fingido lameiro, a soluçar,
Afogava o arado e o lavrador!

Mar!

Enganosa sereia rouca e triste!
Foste tu quem nos veio namorar,
E foste tu depois que nos traíste!

Mar!

E quando terá fim o sofrimento!
E quando d)eixará de nos tentar
O teu encantamento!


Miguel Torga, in Antologia Poética


Requiem do tempo presente.

Miosótis (pseudónimo)

fragmentos da noite com flores, brancas

11.10.2015
Copyright ©2015-fragmentosdanoitecomflores Blog, fragmentosdanoitecomflores.blogspot.com® 


15 comments:

Suzete Brainer said...

Eu amo o mar, preciso dele como ar no suspiro de admiração,
um fio que me conduz numa invisibilidade nos dias... Mas,
tenho um respeito pela sua imensidão misteriosa...
Adoro este teu espaço de arte, que aqui sempre respiro:
cultura, sensibilidade e beleza poética.
Belíssima crônica e poesia uma harmonia encantadora!!
Beijinho, Querida.

Ps:Grata pela tua gentil visita e comentário no meu espaço (blog)...

Jaime Portela said...

Excelente post, sobre um tipo de tragédia que vai acontecendo de vez em quando.
O mar é pão, mas também é cão...
Desejo-lhe uma óptima semana.
Abraço.

Manuel Veiga said...

naufrágio a entrada da barra, além de trágico é infame...

temo "outros" náufrágios - e nova(s) "Balsa(s) de Medusa" (Géricault)

beijo



Mar Arável said...

Tantos são os náufragos fora do meu mar

martinealison said...

Bonjour chère amie,

Nous ne pouvons pas rester insensibles aux naufrages... J'aime beaucoup votre publication qui rend hommage à l'ensemble des naufragés et de leurs familles...
La fascination de la mer n'arrêtera pas l'homme qui combattra toujours face à ses moments de démence...

Gros bisous ♡

Anonymous said...

O mar exerce sobre mim um fascínio enorme. Não consigo estar muito tempo sem o ver...
Esse mar, que tanto dá e tanto tira!
E essa gente, pescadores e seus familiares, tão sofrida!
Naufrágios são sempre tragédias muito marcantes e que nos tiram o fôlego.

Gosto imenso de Miguel Torga. Foi muito bom recordar...

Dias felizes te desejo.
Um beijo
MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA

Anonymous said...

Querida Lune, desculpa... não agradeci a tua presença :(((
É sempre um prazer muito grande ver-te no meu cantinho.
Mais um beijito...

MIGUEL / ÉS A MINHA DEUSA

MS said...

Verdade, o mar tem esse efeito equilibrador de todo o nosso ser.

E, no entanto, o mar pode ser terrífico... foi-o neste caso :-(
Senti de perto esta dor, por tudo o que vi em tempo de infância.

Muito obrigada pelas palavras tão afectuosas... ditadas pela amizade, querida Suzete.

Beijinhos
(e eu também fico feliz quando voltas a este meu espaço. Amizade chama amizade)

MS said...

Muito obrigada, Jaime. Esta tragédia mexeu com meus sentimentos.
O mar tem levado, muitas vezes, aqueles que fazem dele seu ganha pão :-(

Para si, também uma excelente semana.
Abraço,
(espero voltar a lê-lo em 'fragmentos')

MS said...

... a expressão transmite muito da tremenda tragédia das gentes do mar.

Beijo, Herético,

MS said...

Bonjour chère Martine,

On ne peut même pas :-( trop douloureux

Les hommes vivent de la mer. Ils l'aiment et ils la détestent. C'est leur travail. Du pain pour la famille, et leurs enfants.

Meci de votre gentil commentaire.
Bisous

MS said...

'mar arável', os naufrágios acontecem em alto mar. E acontecem na vida em terra...

MS said...

'mar arável', os naufrágios acontecem em alto mar. E acontecem na vida em terra...

MS said...

O mar é para quase todos nós símbolo de fascínio e de temor...enorme.
Sim dá, mas tira tanto! Engole vidas, desgraça famílias, deixa orfãos pequenos que jamais esquecem. E, no antanto, quado homens feitos, esse filhos fazem-se ao mar, como que seguindo em busca dos seus..

Miguel Torga, É também um dos meus autores preferidos, na prosa e na poesia... mas esta última predomina.

Dias felizes te desejo, tambem, Miguel.
Um beijo

MS said...

Não tens que agradecer. Miguel. Gosto de viajar contigo :-) e com tua mãe.

Lá irei em breve, querido Miguel.
Outro, para ti, também.