Thursday, June 07, 2012

Não basta a janela !





créditos: JQuental 

Tenho um pássaro cantador! Sim! O pássaro que anuncia a Primavera. Mas até ele anda espaventado e fugidio. Ainda há duas noites voltara, depois de longos dias silencioso e distante. 

Na noite de quase Lua Cheia, quente, aromatizada de ervas frescas, lá veio alegre, esbanjador de trinados soltos. Acordei, e quedei-me a ouvir, sorrindo,  aquele canto fresco que cheirava a dia quente! 

E eis que de novo, hoje, a chuva e o vento o escorraçaram do sítio onde ele poisa, bem perto da minha janela, levando consigo o sorriso leve que em mim desperta e me leva ao esquecimento de alguns cuidados.

Noite carrancuda, mesquinha, malfazeja que me não deixa abrir de par em par a porta que dá para a varanda. Nela florescem em abundância algumas flores e se estende uma vasta panorâmica sobre a cidade. Em noites serenas, vive nas luzes que salpicam a paisagem.

Logo este ano, os gerâneos (pelargonium) estão lindos! Exuberantes! E na pequena mesa de jardim onde gosto poisar uma vela citronella, em noites tépidas, sento-me na cadeira de ripas de madeira, aspirando o aroma da tisana, enquanto o olhar percorre a paisagem. E esquecida da tisana, tantas vezes, por ali fico largos momentos. Hoje não!

Não, não tenho um jardim, tenho apenas uma varanda suspensa na paisagem, que gosto de enfeitar com coloridas flores, mal desponta a Primavera anunciada pelo meu pássaro cantador. Meu canto recatado, poisado sobre a cidade, onde os aromas que se desprendem dos gerâneos se misturam com os sons da noite.

Cerro a persiana, corro os cortinados, e lastimosa, aguardo que o sol reapareça amanhã. E com ele traga a alegria desse pássaro encantador que teima em visitar-me todas as primaveras.

(...)
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora; 
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, 
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.

Alberto Caeiro, Não basta abrir a janela, Poemas Inconjuntos
in Poesia Assírio e Alvim, ed, Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001

Miosótis (pseudónimo)

07.06.2012
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13 comments:

mfc said...

Este passeio interior com Pessoa fez-me pensar que, afinal, a infelicidade toica a todos e eu não serei mais infeliz que os outros!

Um beijo,

MS said...

Somos todos felizes e somos todos infelizes, 'mfc'... a vida é feita de momentos.

Um beijo,

Cadinho RoCo said...

Existem pássaros mágicos que trazem bons presságios aos nossos dias.

MS said...

Sim, existem 'Cadinho'! Pássaros que nos transmitem alegria e bem-estar.

Ouvir e ver os pássaros é para mim um elemento de maravilhamento perante a natureza!

É um prazer! Volte sempre!

Manuel Veiga said...

o mundo lá fora raramente corresponde ao mundo cá dentro...

belo teu jardim de palavras perfumadas...

beijo

Anonymous said...

Lindo o olhar que mira o pássaro,
sentido, doce, frágil...
O pássaro encanta o olhar doce de quem o sente... Bj

Nilson Barcelli said...

Adorei o teu pássaro cantador, e até gostava de ter um só para mim...
Mas também gostei imenso do teu texto.
Querida amiga, tem um bom fim de semana.
Beijo.

MS said...

A todos os amigos que passaram por 'fragmentos' para deixar palavras de amizade, muito obrigada.

Estive ausente por algum tempo... mas volto à vossa companhia :)

Até breve!
Abraços amistosos

MS said...

Muito obrigada, 'Cadinho' :)

MS said...

... distantes diferenças...

Sempre tão amistoso nas palavras, 'Herético'!

Um beijo

MS said...

Muito obrigada, 'Anónimo' ! Palavras afectuosas, as tuas...

É um dos devaneios de minha sensibilidade... ouvir, atentar, admirar os pássaros.

Um beijo,

MS said...

Fico feliz que tenhas gostado do pássaro cantador, das minhas palavras...

Muito obrigada, Nilson! Tem uma excelente semana!

Beijo,

Elisa T. Campos said...

Como o olhar de um pássaro sempre me encanta a alma com o seu maravilhoso texto.

Lindo.
Bjs