créditos: JQuental
Tenho um pássaro cantador! Sim! O pássaro que anuncia a Primavera. Mas até ele anda espaventado e fugidio. Ainda há duas noites voltara, depois de longos dias silencioso e distante.
Na noite de quase Lua Cheia, quente, aromatizada de ervas frescas, lá veio alegre, esbanjador de trinados soltos. Acordei, e quedei-me a ouvir, sorrindo, aquele canto fresco que cheirava a dia quente!
E eis que de novo, hoje, a chuva e o vento o escorraçaram do sítio onde ele poisa, bem perto da minha janela, levando consigo o sorriso leve que em mim desperta e me leva ao esquecimento de alguns cuidados.
Noite carrancuda, mesquinha, malfazeja que me não deixa abrir de par em par a porta que dá para a varanda. Nela florescem em abundância algumas flores e se estende uma vasta panorâmica sobre a cidade. Em noites serenas, vive nas luzes que salpicam a paisagem.
Logo este ano, os gerâneos (pelargonium) estão lindos! Exuberantes! E na pequena mesa de jardim onde gosto poisar uma vela citronella, em noites tépidas, sento-me na cadeira de ripas de madeira, aspirando o aroma da tisana, enquanto o olhar percorre a paisagem. E esquecida da tisana, tantas vezes, por ali fico largos momentos. Hoje não!
Não, não tenho um jardim, tenho apenas uma varanda suspensa na paisagem, que gosto de enfeitar com coloridas flores, mal desponta a Primavera anunciada pelo meu pássaro cantador. Meu canto recatado, poisado sobre a cidade, onde os aromas que se desprendem dos gerâneos se misturam com os sons da noite.
Cerro a persiana, corro os cortinados, e lastimosa, aguardo que o sol reapareça amanhã. E com ele traga a alegria desse pássaro encantador que teima em visitar-me todas as primaveras.
(...)
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
Alberto Caeiro, Não basta abrir a janela, Poemas Inconjuntos
in Poesia Assírio e Alvim, ed, Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, 2001
Miosótis (pseudónimo)
07.06.2012
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