Friday, November 16, 2012

Sítios que não sei








Farol do Cabo da Roca
Fotografia: Nuno Trindade

Não! Aquele fio de paixão pela escrita que me levou a criar fragmentos da noite com flores não recomeçou a emaranhar-se nestes dedos inquietos que desafiam o ritmado pensamento!

Mas as mãos que poisaram mansamente, nas tardes quentes de sabores a maresia com brilho azul-céu, tempos esparsos de acalmias, percorrendo as folhas de alguns livros de lugares de interioridades, seguem por vezes, poisando por aqui.

Verdade! Hoje o Inverno baixou mesmo na cidade, adentrando obscuras e pálidas paisagens. 

Foi quando me apeteceu reler o poeta que deixou de escrever há tão pouco tempo...


Uma coisa que me põe triste
é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)
Há tantas coisas bonitas que não há:
coisas que não há, gente que não há,
bichos que já houve e não há,
livros por ler, coisas por ver,
feitos desfeitos, outros feitos por fazer,
pessoas tão boas ainda por nascer
e outras que morreram há tanto tempo!
Tantas lembranças de que não me lembro,
sítios que não sei, invenções que não invento,
gente de vidro e de vento, países por achar,
paisagens, plantas, jardins de ar,
tudo o que eu nem posso imaginar
porque se o imaginasse já existia
embora num sítio onde só eu ia..."

Manuel António Pina, Coisas que não há que há, O Pássaro na Cabeça,
Quasi Edições, 2006


Miosótis (pseudónimo)

15.11.2012

fragmentos da noite com flores

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Créditos: Fotografia Nuno Trindade | Facebook

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5 comments:

  1. os poetas filtram a realidade para alcançarem o que não existe e apenas eles/as vêm...

    de uma delicadeza suave - teu texto.

    beijo

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  2. Bom é o frio quando certa é a esperança do calor.
    Abraço

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  3. Um dos belos poemas de Manuel António Pina!

    Só os poetas têm essa capacidade|sensibilidade... sim 'Herético'!

    Mas este 'canto meu' é assim como uma filtragem de tanta coisa que 'me' perpassa.

    Bom domingo :-)
    Um beijo,

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  4. ... mas essa esperança tem que permanecer bem dentro de nós, não é mesmo? Tu sabes, porque és poeta.

    Conheces-me há relativamente pouco tempo, mas as estações de outono (chuvoso) e inverno (frio) são-me desfavoráveis...

    Abraço, Armando

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  5. Olá, Miosótis.
    Postagem sublime, e um poeta sublime a completar seu "sentir a saudade": "Tantas lembranças de que não me lembro..." - também a mim, acontece tantas vezes ;)

    bj amg

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